JUSTIÇA RESTAURATIVA
Como uma resposta , após décadas de insucesso do modelo penal tradicional, dentro de um Direito Penal retributivo baseado apenas na aplicação de penalidades , a tendência mundial está se voltando para alternativas a este modelo, entre eles, surge a Justiça Restaurativa, que vêm atender às necessidades da vítima, do infrator e da comunidade, através de uma ética baseada no diálogo, na inclusão e na responsabilidade social, com grande potencial transformador do conflito. Com efeito, nosso sistema, em que pese algumas reformas, continua obsoleto e ineficaz, sendo evidente que a criminalidade continua a se expandir, gerando uma sensação de insegurança à sociedade.
Dentro da mudança de paradigma na justiça , saindo do pensamento linear e cartesiano, visando ir além para um pensamento transdisciplinar, mudando o foco epistemológico, é que proponho desde 1997 , com meu livro ” Uma Visão Holística do Direito”, disponível gratuitamente no meu site( www.sergionogueirareis.com.br), que estamos vivenciando a necessidade de trabalharmos com uma concepção ampliada de justiça, que não é mais estritamente jurídica, onde o operador do Direito, tanto nos papéis de autoridade (delegado, promotor, juiz) ou como advogado (podendo inclusive atuar como mediador), deverá conciliar sua tradicional perspectiva dogmático-jurídica, que traz de sua formação de bacharel em Direito, com uma nova atitude, aberta ao pluralismo jurídico, reconhecendo a legitimidade do senso jurídico comum das pessoas direta ou indiretamente envolvidas no conflito criminal e que participarão do diálogo e da construção da solução, dentro da Justiça Restaurativa.
Precisamos implantar de forma efetiva a Justiça Restaurativa no Brasil, como oportunidade de uma justiça criminal participativa que opere real transformação, abrindo caminho para uma nova forma de promoção dos direitos humanos e da cidadania, da inclusão e da paz social, com dignidade.
A Justiça Restaurativa, como ensina o prof. Renato Sócrates Gomes Pinto, no seu livro ” Justiça Restaurativa o Paradigma do Encontro”, faz uma abordagem holística e racional do conflito que cerca o fato delituoso e baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a restauração dos traumas e perdas causados pelo crime. Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, intervindo um ou mais mediadores.
Inclusive o Conselho Nacional de Justiça-CNJ, através da Resolução 225, de 31.03.2016 , veio disciplinar a aplicação destas práticas restaurativas no âmbito do Poder Judiciário em todo o Brasil. Acreditamos que já existe um marco legal permissivo do uso de práticas restaurativas na área criminal, é sustentável a tese de que a lei 9.099/95 pode respaldar procedimentos restaurativos, como complemento do sistema. Outrossim, para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, esta mesma lei prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos, evitando-se assim uma ação penal, podendo ser uma alternativa para diminuir os processos na Justiça e resolver os conflitos, incluindo réu, vítima , respectivas famílias e sociedade.
No cenário mundial, a origem destas práticas restaurativas aconteceu na província de Ontário, no Canadá, na década de 1970, quando um Comitê de Voluntários sugeriu ao juiz que realizasse encontros entre dois jovens infratores e suas vítimas de vandalismo para negociarem um ressarcimento, nascendo assim o ” Programa de Reconciliação Vítima -Ofensor” . Tendo depois estas experiências chegado aos EUA, sendo que a denominação justiça restaurativa é atribuída ao psicólogo americano Albert Eglash, que, em 1977, escreveu um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative Restitution, publicado numa obra por Joe Hudson e Burt Gallaway, denominada “Restitution in Criminal Justice” (Van Ness e Strong, 2002). Eglash sustentou, no artigo, que haviam três respostas ao crime – a retributiva, baseada na punição; a distributiva, focada na reeducação; e a restaurativa, cujo fundamento seria a reparação.
A Justiça Restaurativa se justifica por vantagens político criminais que favorecem todos os intervenientes no conflito causado pelo delito: a) a vítima especifica do delito ao receber reconhecimento, voz e reparação; b) o autor de delito, ao receber a oportunidade de ser tratado como ser humano, reconhecendo sua falta e tendo oportunidade de repará-la, assim como facilitar a sua reinserção social; c) a comunidade, ao fazer parte do processo e d) a administração da justiça, em responder de forma eficaz ao conflitos, restabelecendo a paz jurídica e social.
As partes passam para o centro do processo, deixando de ser apenas meios de prova, para identificar os danos e traumas ocorridos, buscando proporcionar a reparação com o envolvimento direto da vítima, até obter uma solução de consenso.
Destarte, o crime, para a justiça restaurativa, não é apenas uma conduta típica que
mereça punição, ao atentar contra bens e interesses penalmente protegidos, entretanto,
é uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade,
cumprindo à Justiça identificar as obrigações
oriundas dessa violação e do trauma causado e que deve ser reparado, encorajando
as pessoas envolvidas a dialogarem visando chegarem a um acordo, como sujeitos do
processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com
que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas.
A Justiça Restaurativa é um método de solução de conflitos e também uma medida
a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, complementando o papel do sistema
jurisdicional. A partir da Resolução 2.002/12 do Conselho Econômico e Social da
ONU, a metodologia se consolidou no Brasil como uma das portas de acesso à
Justiça em seu sentido amplo, um importante instrumento para a
construção de uma justiça participativa, de modo a operar real transformação,
com soluções compartilhadas.
O núcleo de Justiça Restaurativa da Bahia é coordenado de forma eficiente e
competente pela Desembargadora Joanice Maria Guimarães de Jesus, localizado ao
lado das 5 e 6 Varas dos Juizados Especiais Criminais, no Largo do Tanque, bairro
de Salvador-BA, é o único do Norte-Nordeste e promove cerca de duas
mediações por dia. A unidade recebe termos circunstanciados das Delegacias de
Polícia da Liberdade (2ª DP), Bonfim (3ª DP), São Caetano (4ª DP), Periperi (5ª
DP), Madre de Deus (17ª DP) e das Delegacias Especializadas de Tóxicos e Entorpecentes,
de Crime Contra a Criança e o Adolescente e do Idoso. As partes também podem
procurar o núcleo, diretamente, caso queiram realizar alguma queixa. Todos os
casos que chegam à unidade passam por uma triagem que diz se eles são passíveis
de restauração. Uma vez identificada a possibilidade de solução do problema, as
partes (ofensor e ofendido) são inseridos em um procedimento denominado
“Círculo Restaurativo”, onde cada um é preparado, individualmente, para a
mediação do conflito.
A Justiça Restaurativa já vem sendo adotada com sucesso em vários países como o Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália, Inglaterra, Austria, mas interessada na resolução dos conflitos e na reconstrução do tecido social, transcendendo a ideologia repressiva , mas sim buscando restaurar o vínculo relacional rompido com o delito, reparando o dano da vítima, facilitando a reinserção social do infrator, reduzindo a reincidência e fiscalizando a efetividade dos compromissos assumidos no acordo restaurativo homologado pelo juiz.