DIREITO MÉDICO

No escritório Nogueira Reis já atuamos há muitos anos, com sucesso, na defesa de médicos e hospitais , que foram processados por pacientes que exigiam indenizações vultosas, por suposta ocorrência de erros médicos ou hospitalares, tendo por consequência a infecção ou não atendimento total da cirurgia plástica embelezadora.

Da mesma forma temos algumas questões, também vitoriosas, ajuizadas contra Planos de Saúde, que não atendem certos procedimentos cirúrgicos ou tentam aumentar os valores das prestações de forma abusiva, podendo citar como exemplo de jurisprudência:

” O plano de saúde que se nega a cobrir o tratamento do segurado pode ter que indenizá-lo por danos morais, em razão do sofrimento psicológico acrescentado à doença. Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a Unimed Porto Alegre a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais a uma segurada que havia sido submetida a cirurgia de urgência para retirada de vesícula biliar. Três dias após a operação, o plano de saúde negou-se a cobrir as despesas.

A Justiça do Rio Grande do Sul condenou a Unimed a pagar pelas despesas médico-hospitalares, por entender que, em situações de urgência ou emergência, a carência é de apenas 24 horas, independentemente de prazos maiores previstos no contrato. Esta garantia é dada pela Lei n. 9.656, de 1998. Porém, tanto na primeira instância quanto no Tribunal de Justiça, a segurada teve negado seu pedido de indenização por danos morais, os quais só vieram a ser reconhecidos quando o caso chegou ao STJ.

A jurisprudência deste Tribunal vem reconhecendo que a recusa indevida à cobertura médica é causa de danos morais, pois agrava o contexto de aflição psicológica e de angústia sofrido pelo segurado, diz a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo na corte superior. Pesou contra a Unimed a circunstância de que a negativa de cobertura, além de ilegal, aconteceu após a realização da cirurgia, quando a paciente estava em recuperação e de repente se viu envolvida pelas preocupações com a conta do hospital”.

EXEMPLO- DOUTRINA SOBRE CIRURGIA PLÁSTICA

A respeito do tema, Miguel Kfouri Neto, Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, e um dos maiores expoentes do Direito Médico nacional – diz em sua obra Responsabilidade Civil do Médico :

“Hodiernamente, não há dúvida que a cirurgia plástica integra-se normalmente ao universo do tratamento médico e não deve ser considerada uma ‘cirurgia de luxo’ ou mero capricho de quem a ela se submete. Dificilmente um paciente busca a cirurgia estética com absoluta leviandade e sem real necessidade, ao menos de ordem psíquica. Para ele, a solução dessa imperfeição física assume um significado relevante no âmbito de sua psique – daí se poder falar, ainda que em termos brandos, como afirma Avecone – de ‘Estado Patológico’.”
“Em qualquer situação, também ao cirurgião plástico é possível demonstrar a interferência – no desencadeamento do resultado danoso – de fatores imprevisíveis e imponderáveis, devidos a aspectos subjacentes à saúde do paciente, que o médico não conhecia, nem podia conhecer, mesmo agindo com diligência e acuidade. Noutras palavras, seu objetivo frustrou-se pela superveniência de causas que ele não podia prever, nem evitar”.

E finalmente, às fls. 176/177 da mesma obra, conclui:
“Em recente publicação, Luís O. Andorno (5) expõe as seguintes reflexões: ‘Se bem que tenhamos participado durante algum tempo deste critério de ubicar a cirurgia plástica no campo das obrigações de resultado, um exame meditado e profundo da questão levou-nos à conclusão de que resulta mais adequado não fazer distinções a respeito, ubicando também a cirurgia estética no âmbito das obrigações de meios, isto é, no campo das obrigações gerais de prudência e diligência’.
Para o jurista platino, o comportamento da pele humana, de fundamental importância na cirurgia plástica, revela-se imprevisível em numerosos casos. Acrescenta que toda intervenção sobre o corpo humano é aleatória. Anota, por fim, que a doutrina e a jurisprudência francesas têm se orientado nesse sentido.
E arremata: ‘A nosso juízo, o cirurgião plástico não está obrigado a obter um resultado satisfatório para o cliente, mas somente a empregar todas as técnicas e meios adequados, conforme o estado atual da ciência, para o melhor resultado da intervenção solicitada pelo paciente”.

Em brilhante trabalho posterior, denominado Culpa Médica e Ônus da Prova (6), o Des. Kfouri transcreve trechos do julgamento do Recurso Especial 81.101-PR (7), onde se decidiu sobre recurso relativo à responsabilidade civil em cirurgia plástica estética. Ali, destaca trechos extremamente elucidativos do voto proferido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, aqui emprestados em virtude de sua relevância e clareza elucidativa:
“Pela própria natureza do ato cirúrgico, cientificamente igual, pouco importando a subespecialidade, a relação entre o cirurgião e o paciente está subordinada a uma expectativa do melhor resultado possível, tal como em qualquer atuação terapêutica, muito embora haja possibilidade de bons ou não muito bons resultados, mesmo na ausência de imperícia, imprudência ou negligência, dependente de fatores alheios, assim, por exemplo, o próprio comportamento do paciente, a reação metabólica, ainda que cercado o ato cirúrgico de todas as cautelas possíveis, a saúde prévia do paciente, a sua vida pregressa, a sua atitude somatopsíquica em relação ao ato cirúrgico. Toda intervenção cirúrgica, qualquer que ela seja, pode apresentar resultados não esperados, mesmo na ausência de erro médico. E, ainda, há em certas técnicas conseqüências que podem ocorrer, independentemente da qualificação do profissional e da diligência, perícia e prudência com que realize o ato cirúrgico.
Anote-se, nesse passo, que a literatura médica, no âmbito da cirurgia plástica, indica, com claridade, que não é possível alcançar 100% de êxito.
A mesma Plastic and Reconstructive Surgery (vol. 95, junho de 1995, p. 1.195 a 1.204) publica os resultados de reconstrução mamária obtidos por dois cirurgiões em 111 pacientes, mostrando complicações importantes em cerca de 20% dos casos, observados ao longo de 18 meses.
No que se refere à plástica para redução do volume mamário (mamoplastia redutora), o Annals of Plastic Surgery (vol. 34, 1995, p. 113 a 116) divulga os resultados obtidos por dois cirurgiões, indicando melhora clínica satisfatória em não mais de 74%, 81% e 88% dos casos, conforme o critério escolhido.
Também no British Journal of Plastic Surgery (vol. 48, outubro de 1995, p. 451 a 454), foram analisadas 218 plásticas nasais (rinoplastia), observando-se não mais de 5% de complicações, mas cerca de um de cada dez pacientes necessitou de revisão cirúrgica do procedimento realizado pela mesma instituição, e um de cada cinco daqueles que haviam sido operados em outros centros.
J. Gérald Rheault, mostrando a realidade sob o regime legal do Canadá, que segue o sistema do Common Law, a exceção de Quebec, que herdou as tradições do Código Civil de Napoleão, destacou que a responsabilidade dos médicos está limitada a uma obrigação de meios, não de resultados, na medida em que os cirurgiões não estão obrigados a obter sempre bons resultados, mas estão sim obrigados a fornecer competente informação e tratamento aos pacientes. Assim, a responsabilidade do cirurgião depende da prova de ele não ter agido prudentemente e diligentemente como um profissional razoavelmente competente teria agido nas mesmas circunstâncias. E, em casos de cirurgia estética, esse princípio vem sendo desafiado até a Suprema Corte por algumas pessoas que gostariam de imputar ao cirurgião plástico uma responsabilidade de resultados e não de meios .

Finalmente, nesse patamar, é bom não esquecer que não se pode presumir, como parece vem sendo admitido pela jurisprudência, que o cirurgião plástico tenha prometido maravilhas ou que não tenha prestado as informações devidas ao paciente, configurando o contrato de resultado certo e determinado. A só afirmação do paciente em uma inicial de ação indenizatória não é suficiente para acarretar a presunção de culpa do médico, invertendo-se o ônus da prova, como no presente caso. O paciente deve provar que tal ocorreu, que não recebeu informações competentes e amplas sobre a cirurgia.
Não bastasse tal fundamentação para afastar a cirurgia estética do campo das obrigações de resultado, o Código de Defesa do Consumidor estipulou, expressamente, no art. 14, § 4º, verbis:
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa.
Ora, tal regra não separa o ato cirúrgico em obrigação de meio ou de resultado, não destaca a cirurgia estética, nem, tampouco, explicita que destina-se a incidir sobre a responsabilidade aquiliana, não sobre a responsabilidade contratual. Com todo respeito, a interpretação que situa a questão neste ângulo não tem lastro na lei, repetindo, apenas, a jurisprudência anterior ao Código que enxergava a dicotomia. E não poderia faze-lo, sob pena de grave disparidade na própria lei que impõe ser a responsabilidade pessoal do profissional liberal apurada mediante a verificação da culpa.

É antijurídico, por conseguinte, a pretexto de a cirurgia plástica estética ser classificada como obrigação de resultado, inverter-se o ônus da prova. Ao médico, em qualquer hipótese, aplica-se o regramento da responsabilidade subjetiva – incompatível com essa inversão. (grifamos)

Continua, ainda, ressaltando questões por vezes esquecida nos julgamentos, tais como a consciente e efetiva vontade do paciente em correr os riscos – absolutamente normais e conhecidos pelo ser humano médio – de uma intervenção cirúrgica, seja ela de qualquer espécie, manifestando expressamente esta sua vontade, em busca da realização de seu sonho de aperfeiçoamento estético.

Não se pode ignorar que o paciente tem consciência dos riscos envolvidos em qualquer procedimento (11). Eximi-lo desta responsabilidade em favor de uma falsa responsabilidade objetiva do médico (não prevista pela legislação, diga-se) é absolutamente contraproducente. O consentimento, a conduta e o comportamento do paciente são – mais que atenuantes, excludentes de responsabilidade.

Rosana Jane Magrini, em substancioso artigo doutrinário (12), conclui:
“O que se exige do médico, seja qual for sua especialidade, é a prestação de serviços zelosos, atentos, conscienciosos, a utilização de recursos e métodos adequados e de agir conforme as aquisições da ciência. O que não se pode admitir, sempre com a maxima vênia, é uma corrente jurisprudencial em desalinho com a realidade moderna dos avanços da ciência médica e da ciência jurídica.”

Expõem, ainda, Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza, em sua obra Instituições de Direito Médico (13), que:

“Impor à cirurgia plástica estética a pecha de obrigação de resultado é, ao nosso ver, grande preconceito, existente em tempos longínquos, além de negar o próprio sistema biológico de cada ser humano que, por vezes, se mostra rebelde, seja numa simples cauterização de uma verruga ou numa cirurgia de mama para a colocação de uma prótese, com a finalidade de aumentá-la de tamanho.
Partir da idéia de que o cirurgião plástico já tem, intrinsecamente, em caso de alegação do paciente de mau resultado, culpa no suposto evento danoso (culpa presumida) é colocar sobre seus ombros um fardo muito pesado, totalmente desvirtuado da realidade e do bom-senso”.

Finaliza Miguel Kfouri, em passagem de seu já referido livro Culpa Médica e Ônus da Prova (14), em definitiva opinião:

“Em qualquer hipótese, não milita, em desfavor do cirurgião plástico, nessas intervenções embelezadoras, presunção de culpa, nem tampouco se aplicam os princípios da responsabilidade sem culpa.
Por fim, as novas tendências verificadas no âmbito da prova da culpa médica, em especial a atribuição dinâmica do encargo probatório, não mais justificam que apenas ao cirurgião plástico seja aplicado tratamento diferenciado, gravoso.
Todas as especialidades cirúrgicas submetem-se ao imprevisível – conseqüência natural, já examinada, das características individuais de cada pessoa.
Assim, a cirurgia plástica embelezadora há de enquadrar no figurino da verificação da culpa, a exemplo das demais especialidades médicas – arredando-se a aplicação extremada dos princípios da responsabilidade objetiva ao profissional liberal, que também se submete ao estatuto da culpa”.

O que se pretende demonstrar é que, sob todos os aspectos, a cirurgia plástica é intervenção cirúrgica equiparável a todos os demais procedimentos cirúrgicos, e que as reações do organismo humano são imprevisíveis e conseqüências indesejadas podem sobrevir, ainda que toda a técnica, recursos disponíveis, prudência e perícia tenham sido empregados ao caso concreto, não se podendo, por sua vez, simplesmente culpar o médico pelo infortúnio, por ele também não desejado.
Cada corpo humano, em sua individualidade, pode apresentar somatizações, hipersensibilidades, reações diversas verdadeiramente imprevisíveis. A evolução de quadros clínicos ou patológicos, diante da intervenção médica, não é sempre igual, não obedece sempre a uma fórmula preestabelecida.
Em qualquer procedimento cirúrgico, conforme comprovado por incontáveis estudos médicos, o organismo pode reagir de forma inesperada, negativa ou adversa, comprometendo o resultado.

Na prática, ainda, é de destacar que o sucesso da cirurgia plástica depende muito dos cuidados pós-operatórios tomados pelo próprio paciente, o que em parte também escapa do controle do médico.

SÉRGIO NOGUEIRA REIS, Advogado e Presidente da Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito da OAB-BA